O inimigo externo
Director: José Manuel Fernandes
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 5933 | Domingo, 25 de Junho de 2006
O inimigo externo
Guilherme Valente
1.A avaliação é imperativa. Ninguém a tem defendido mais persistentemente do que nós. Avaliação dos professores, da escola, do sistema, geral (desde logo permitindo a todos os pais escolherem a escola dos filhos, pública ou privada). Mas o projecto de avaliação dos professores implicando os pais seria a medida mais insensata de que alguém se poderia lembrar se não fosse, como é, um expediente demagógico para desviar a atenção do país da questão central da educação - a ideologia igualitarista e, ramos da mesma genealogia, as teorias pedagógicas delirantes impostas totalitariamente que transformaram a escola numa escola de faz de conta. Seria mais uma acha na fogueira da desvalorização da ensino, do descrédito e da humilhação dos professores, ferindo também aqueles que fazendo o impossível em condições tão adversas continuam a salvar muitos alunos.
2. O que aconteceu é que a voz livre e persistente de meia dúzia de cidadãos tornaram impossível aos ministérios continuarem a fazer o que sempre fizeram: ocultar a tragédia. Que fazer, perguntaram-se agora a ministra, o secretário de Estado e a nomenclatura dos "especialistas"? A táctica escolhida é antiga, sinistra, reveladora: arranjar um inimigo externo. Os professores.
É claro que os professores têm responsabilidade na tragédia dos resultados. Mas não são uma ilha. Quem é responsável pela sua formação, permitindo que não dominem as matérias que devem ensinar? Quem os recruta? Quem determinou as regras que regem a escola e fomentou a cultura que a domina? Quem impôs e mantém o inqualificável modelo de gestão que a "governa"? Quem centralizou o sistema até ao ridículo? Quem tem desvalorizado a função da escola como transmissora do conhecimento? Quem impôs teorias, métodos e ambiente que impedem milhares e milhares de crianças de aprenderem a ler, escrever e contar?
Quem tem imposto um ensino em que todos os saberes valem o mesmo? Quem desvalorizou ou permitiu que se desvalorizasse o papel dos professores, apagando a função principal que deve ser sua - ensinar? Quem esmaga e tolhe os docentes com toneladas de papéis? Quem, aceitando-a e elogiando-a, tem encorajado a indisciplina, semente da violência? Quem fomentou a desresponsabilização dos alunos, nomeadamente acabando com os exames e tornando inócuos aqueles com que ainda não se atreveram a acabar? Quem encomendou e aprova programas impraticáveis e imbecis e manuais equivalentes? Quem promoveu as teorias pedagógicas delirantes do ensino centrado no aluno, do aprender a aprender, a demagogia miserável do "todos os alunos têm jeito para os estudos", que expulsa do sistema educativo, em cada ano, milhares de jovens a cujos interesses, desejo de formação e aspirações esta escola não responde?
3. Não é significativo que o termo ensinar nunca surja no projecto do estatuto da carreira docente?
E que dizer da decisão de se acabar com os TPC porque, no dizer da ministra, "os trabalhos de casa são sobretudo uma forma de reprodução das desigualdades sociais" "decorrente de alguns alunos terem pais que podem e conseguem ajudá-los e outros não os terem"? Por que não, senhora ministra, colocar os meninos com pais capazes de os ajudarem nos TPC num albergue, instalado de preferência num dos bairros onde a polícia prefere não ter de entrar? Ou prender os pais? Ou matar os meninos - que surgem em todos os grupos sociais - que revelem ou tenham a oportunidade de revelar qualidades e talentos num grau que para o eduquês parece ser condenavelmente superior?
Falemos a sério: por que não fazer muito simplesmente o que, apesar da hipócrita preocupação com os mais desfavorecidos, imperdoavelmente ainda não foi feito? Isto é, dar a todos as mesmas melhores oportunidades, ou seja, proporcionar aos alunos dos meios sociais e culturais mais desfavorecidos o apoio que não tenham em casa e os outros terão. Sem retirar a estes o que é excelente que tenham e deverá a todos ser oferecido. Ou seja: quem não tem apoio em casa deveria passar a tê-lo na escola, sendo essa necessidade muito fácil de indagar - pobres ou ricos, porque a realidade não é como na sua cegueira ideológica a senhora ministra, ou quem pontifica ou a comanda, esquizofrenicamente julga. Não é, senhor professor Cavaco Silva?
Existe, como se sabe, uma vasta bibliografia consagrada ao estudo e à tentativa de explicação do fanatismo ideológico. Mas, na Europa, em Portugal, no ano de 2006, depois de tudo o que se sabe como explicar enormidades destas? Não terá o senhor presidente da República prerrogativas ou influência que lhe permitam travar o que já só pode ser visto como uma tara? A culpa é dos professores?
Repito: sem varrer o eduquês, sem varrer os especialistas sem emenda do ministério, não haverá sucesso educativo.
4. Corre por aí que quem comanda é o secretário de Estado. Peço por isso à senhora ministra que esclareça o país: subscreve a ideologia igualitarista que encharcou a escola, mediocrizando todos? Identifica-se com as pedagogias delirantes que continuam, de acordo com todos os indicadores, a cretinizar os alunos portugueses? Sim ou não, senhora ministra? Mais: para que tipo de sociedade quer preparar os nossos filhos? Para uma sociedade totalitária de súbditos e de miséria ou para uma sociedade livre e plural de cidadãos em que, como afirmava Bergson, a inteligência e a vontade dos homens possam ser fonte de imprevisível e fecunda novidade?
5. Títulos não são argumentos. António Borges ostenta muitos títulos e ex-títulos, mas não tem razão. Excitado, porventura, com a guerra da ministra aos sindicatos, na matéria só afirmou o óbvio e viu a aparência.
Editor da Gradiva
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 5933 | Domingo, 25 de Junho de 2006
O inimigo externo
Guilherme Valente
1.A avaliação é imperativa. Ninguém a tem defendido mais persistentemente do que nós. Avaliação dos professores, da escola, do sistema, geral (desde logo permitindo a todos os pais escolherem a escola dos filhos, pública ou privada). Mas o projecto de avaliação dos professores implicando os pais seria a medida mais insensata de que alguém se poderia lembrar se não fosse, como é, um expediente demagógico para desviar a atenção do país da questão central da educação - a ideologia igualitarista e, ramos da mesma genealogia, as teorias pedagógicas delirantes impostas totalitariamente que transformaram a escola numa escola de faz de conta. Seria mais uma acha na fogueira da desvalorização da ensino, do descrédito e da humilhação dos professores, ferindo também aqueles que fazendo o impossível em condições tão adversas continuam a salvar muitos alunos.
2. O que aconteceu é que a voz livre e persistente de meia dúzia de cidadãos tornaram impossível aos ministérios continuarem a fazer o que sempre fizeram: ocultar a tragédia. Que fazer, perguntaram-se agora a ministra, o secretário de Estado e a nomenclatura dos "especialistas"? A táctica escolhida é antiga, sinistra, reveladora: arranjar um inimigo externo. Os professores.
É claro que os professores têm responsabilidade na tragédia dos resultados. Mas não são uma ilha. Quem é responsável pela sua formação, permitindo que não dominem as matérias que devem ensinar? Quem os recruta? Quem determinou as regras que regem a escola e fomentou a cultura que a domina? Quem impôs e mantém o inqualificável modelo de gestão que a "governa"? Quem centralizou o sistema até ao ridículo? Quem tem desvalorizado a função da escola como transmissora do conhecimento? Quem impôs teorias, métodos e ambiente que impedem milhares e milhares de crianças de aprenderem a ler, escrever e contar?
Quem tem imposto um ensino em que todos os saberes valem o mesmo? Quem desvalorizou ou permitiu que se desvalorizasse o papel dos professores, apagando a função principal que deve ser sua - ensinar? Quem esmaga e tolhe os docentes com toneladas de papéis? Quem, aceitando-a e elogiando-a, tem encorajado a indisciplina, semente da violência? Quem fomentou a desresponsabilização dos alunos, nomeadamente acabando com os exames e tornando inócuos aqueles com que ainda não se atreveram a acabar? Quem encomendou e aprova programas impraticáveis e imbecis e manuais equivalentes? Quem promoveu as teorias pedagógicas delirantes do ensino centrado no aluno, do aprender a aprender, a demagogia miserável do "todos os alunos têm jeito para os estudos", que expulsa do sistema educativo, em cada ano, milhares de jovens a cujos interesses, desejo de formação e aspirações esta escola não responde?
3. Não é significativo que o termo ensinar nunca surja no projecto do estatuto da carreira docente?
E que dizer da decisão de se acabar com os TPC porque, no dizer da ministra, "os trabalhos de casa são sobretudo uma forma de reprodução das desigualdades sociais" "decorrente de alguns alunos terem pais que podem e conseguem ajudá-los e outros não os terem"? Por que não, senhora ministra, colocar os meninos com pais capazes de os ajudarem nos TPC num albergue, instalado de preferência num dos bairros onde a polícia prefere não ter de entrar? Ou prender os pais? Ou matar os meninos - que surgem em todos os grupos sociais - que revelem ou tenham a oportunidade de revelar qualidades e talentos num grau que para o eduquês parece ser condenavelmente superior?
Falemos a sério: por que não fazer muito simplesmente o que, apesar da hipócrita preocupação com os mais desfavorecidos, imperdoavelmente ainda não foi feito? Isto é, dar a todos as mesmas melhores oportunidades, ou seja, proporcionar aos alunos dos meios sociais e culturais mais desfavorecidos o apoio que não tenham em casa e os outros terão. Sem retirar a estes o que é excelente que tenham e deverá a todos ser oferecido. Ou seja: quem não tem apoio em casa deveria passar a tê-lo na escola, sendo essa necessidade muito fácil de indagar - pobres ou ricos, porque a realidade não é como na sua cegueira ideológica a senhora ministra, ou quem pontifica ou a comanda, esquizofrenicamente julga. Não é, senhor professor Cavaco Silva?
Existe, como se sabe, uma vasta bibliografia consagrada ao estudo e à tentativa de explicação do fanatismo ideológico. Mas, na Europa, em Portugal, no ano de 2006, depois de tudo o que se sabe como explicar enormidades destas? Não terá o senhor presidente da República prerrogativas ou influência que lhe permitam travar o que já só pode ser visto como uma tara? A culpa é dos professores?
Repito: sem varrer o eduquês, sem varrer os especialistas sem emenda do ministério, não haverá sucesso educativo.
4. Corre por aí que quem comanda é o secretário de Estado. Peço por isso à senhora ministra que esclareça o país: subscreve a ideologia igualitarista que encharcou a escola, mediocrizando todos? Identifica-se com as pedagogias delirantes que continuam, de acordo com todos os indicadores, a cretinizar os alunos portugueses? Sim ou não, senhora ministra? Mais: para que tipo de sociedade quer preparar os nossos filhos? Para uma sociedade totalitária de súbditos e de miséria ou para uma sociedade livre e plural de cidadãos em que, como afirmava Bergson, a inteligência e a vontade dos homens possam ser fonte de imprevisível e fecunda novidade?
5. Títulos não são argumentos. António Borges ostenta muitos títulos e ex-títulos, mas não tem razão. Excitado, porventura, com a guerra da ministra aos sindicatos, na matéria só afirmou o óbvio e viu a aparência.
Editor da Gradiva
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