Wednesday, September 27, 2006

Ópera retirada em Berlim por receio de ataques islâmicos

Do Público de hoje:

Ópera retirada em Berlim por receio de ataques islâmicos
Helena Ferro de Gouveia, Frankfurt

Cancelamento de Idomeneo de Mozart reabre debate sobre liberdade de criação perante medo da reacção dos fundamentalistas

Pode a ópera de Mozart ferir sensibilidades do mundo islâmico? A Deutsche Oper em Berlim parece acreditar que sim e suprimiu do programa para esta temporada a exibição da ópera Idomeneo Rei de Creta, escrita pelo compositor austríaco aos 24 anos, em 1781.

O que motivou esta decisão da directora da instituição, Kirstin Harms, anunciada segunda-feira, é o receio de não poder garantir a segurança dos intérpretes e dos 2 mil espectadores previstos. Em Julho, a polícia criminal de Berlim alertou o Senado da cidade para a eventualidade de "acções de fundo terrorista" durante as exibições de Idomeneo. "Nós transmitimos esta informação", confirmou Bernhard Schodrowski, porta-voz da polícia. "Mas não somos nós que determinamos a programação da Deutsche Oper."

Num breve comunicado, a Deutsche Oper "lamenta" o cancelamento de Idomeneo - uma ópera encenada por Hans Neuenfels, estreada em 2003, e cujo regresso estava previsto para Novembro após uma pausa de duas temporadas - e anuncia a substituição desta pelas óperas La Traviata e As Bodas de Fígaro.

Quando se estreou em 2003, a encenação de Neuenfels dividiu as opiniões. Na visão do encenador, a obra de Mozart é uma elegia à autodeterminação do Homem - Idomeneo é, nas palavras de Neuenfels, "um anti-Hamlet". O rei de Creta rebela-se contra a ditadura dos deuses e Neuenfels adoptou recursos estilísticos polémicos para fazer passar esta mensagem: no epílogo, o rei Idomeneo apresenta as cabeças do deus grego dos mares Poseídon, de Jesus, Buda e Maomé.

"Conhecemos as consequências do episódio das caricaturas de Maomé. Acreditamos que isso tem de ser levado a sério e esperamos compreensão", justificou-se Kirsten Harms. "Não há nada de errado se num clima já tenso entre o Islão e o mundo ocidental se evite incendiar a situação através de uma cena que pode ser interpretada como provocatória por crentes muçulmanos", considera o chefe da polícia de Berlim, Dieter Glietsch.

Submissão e histeria

O encenador, que não foi consultado, classificou a decisão como um gesto de "submissão e histeria". Comentários semelhantes foram feitos pelo porta-voz para os assuntos culturais da fracção democrata-cristã no Bundestag (parlamento), Wolfgang Boernsen. "Retirar uma encenação que critica religião com receio de ataques terroristas prejudica a liberdade artística. Com este ajoelhar, reforça-se os que exercem ameaças intoleráveis e pressões sobre as sociedades ocidentais e o cristianismo."

O ministro de Estado da Cultura, Bernd Naumann, criticou a auto-censura na arte referindo-se ao cancelamento de Idomeneo, mas também à alteração à hora de emissão do filme Wut no canal público ARD (Wut, que em alemão significa raiva, retrata a brutalidade de um grupo de adolescentes turcos dos subúrbios). "A arte e os media têm a missão de abordar as contradições e os antagonismos da sociedade de forma clara e comentá-los. Isso exige de todos nós tolerância e coragem", acrescentou Naumann. "Tolerância para com opiniões desconfortáveis e coragem face à controvérsia. Os problemas não se resolvem com o silenciamento dos mesmos."

O vice-presidente do Bundestag, Wolfgang Thierse, denuncia uma nova ameaça à liberdade de expressão. "Este é um sinal muito perigoso acerca dos medos da violência motivada pelo islão na Alemanha. Chegamos tão longe que temos de limitar a expressão artística? O que é vem a seguir?"

Os representantes dos muçulmanos na Alemanha reagiram de forma diferenciada. Kenan Kolat, líder da comunidade turca, lamentou a decisão, "porque se perdeu uma ocasião para debater e isso é uma vergonha". Kolat recomenda que os muçulmanos aceitem "que a arte é livre e que autocensura é lastimável". Já o presidente do Conselho do Islão, Ali Kizilkaya, saudou o cancelamento e propôs alterações à encenação. "A representação da cabeça cortada de Maomé fere os muçulmanos e é insensível", disse, mas acrescentou "que é horrível que tenha que se ter medo".

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