Thursday, September 21, 2006

Basta de desculpas

Do Público de hoje:

Basta de desculpas
Anna Applebaum

Palestinianos irados atacaram já sete igrejas em Gaza e na Cisjordânia, destruindo duas delas. Na Somália, homens armados mataram uma freira italiana idosa. Líderes religiosos radicais, do Qatar a Qom [cidade iraniana], pediram desde um "dia de raiva" até os fiéis "perseguirem" o Papa e os seus seguidores.

Da Turquia à Malásia, políticos muçulmanos condenaram o Papa e afirmaram que o seu pedido de desculpas é "insuficiente". E tudo isto porque Bento XVI, falando na Universidade de Ratisbona, citou o imperador bizantino que, há mais de 600 anos, afirmou que o islão era uma fé "difundida pela espada". Já vimos isto, claro.

Protestos semelhantes foram provocados no Inverno passado pelos cartoons representando o profeta Maomé na imprensa dinamarquesa. Seguiram-se pedidos de desculpa semelhantes, ainda que o de Bento seja mais surpreendente do que o do Governo dinamarquês. Ninguém, aparentemente, se consegue lembrar de que algum papa, nem sequer o "media friendly" João Paulo II, a pedir desculpa de algo em termos tão específicos: nem pela Inquisição, nem pela perseguição de Galileu, e certamente não por um comentário feito a uma audiência académica numa cidade alemã sem importância.

Mas as reacções ocidentais aos "dias de raiva" muçulmanos também seguiram um padrão semelhante. No Inverno passado, alguns jornais ocidentais defenderam os seus colegas dinamarqueses, alguns até publicando os cartoons - mas outros, incluindo o Vaticano, atacaram os dinamarqueses pela ofensa.

Alguns líderes católicos defenderam agora o Papa - mas outros, sem dúvida alguns dinamarqueses, queixaram-se de que a sua declaração deveria ter sido mais bem examinada, ou não ter sido sequer proferida. Isto não é surpreendente. Por definição, o Ocidente não é monolítico. Jornalistas de esquerda não se identificam com colegas de direita (ou colegas católicos de direita) e vice-versa. Nem todos os cristãos, já para não falar dos católicos - mesmo todos os católicos alemães -, se identificam com o Papa, e certamente não querem defender a sua muito académica citação.

Infelizmente, estas distinções subtis perdem-se entre os fanáticos que deitam fogo a embaixadas e igrejas. E também podem impedir que todos nós encontremos uma resposta útil às ondas de ira e violência que periodicamente, envolvem partes do mundo muçulmano. Claramente, uma mão-cheia de desculpas e algum debate público impensado - deveria o Papa ter dito "x", deveria o primeiro-ministro dinamarquês ter dito "y" - são ineficazes e irrelevantes.

Nenhum dos líderes religiosos radicais aceita as desculpas ocidentais e nenhum dos seus seguidores radicais lê a imprensa ocidental. Em vez disso, políticos ocidentais, escritores, pensadores e oradores deveriam parar com os pedidos de desculpas - e começar a unir-se.
Com isto, não quero dizer que todos tenhamos de defender ou analisar este sermão em particular, deixo isso para os peritos em teologia bizantina.

Mas podemos todos unir-nos no apoio à liberdade de expressão - certamente que o Papa pode citar textos medievais - e de imprensa. E também podemos unir-nos, ruidosamente, na nossa condenação de violentos e não provocados ataques a igrejas, embaixadas e freiras idosas. Por "nós" quero dizer a Casa branca, o Vaticano, os Verdes alemães, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, a NATO, a Greenpeace, o Le Monde e a Fox News - instituições ocidentais de esquerda, direita e tudo o que está no meio.

É verdade que estes princípios soam como muito elementares - "somos a favor da liberdade de expressão e da antiviolência gratuita" -, mas nos dias que se seguiram ao sermão do Papa, não sinto que os tenha ouvido defendidos em nada que se parecesse a um coro unânime. Muito mais tempo foi passado a analisar o que o pontífice queria dizer, ou deveria ter dito, ou poderia ter dito se tivesse sido mais bem aconselhado.

Tudo isto passa da questão central, já que nada do que o Papa tenha alguma vez dito chega sequer perto do extremismo e da raiva que saem da boca dos líderes religiosos radicais todos os dias, na Europa e no mundo muçulmano, quase sem provocar qualquer resposta Ocidental. E talvez devesse ser altura para isso: quando a Arábia Saudita publica textos escolares que mandam os bons muçulmanos wahhabitas "odiar" cristãos, judeus e muçulmanos não wahhabitas, por que não deviam o Vaticano, os baptistas do Sul, o supremo rabi britânico e o Conselho para as Relações Americanas-Islâmicas condená-lo, simultaneamente?

Talvez seja um sonho fantástico. O dia em que a Casa Branca e a Greenpeace possam assinar uma declaração comum soa realmente distante. Mas se comentários avulsos de líderes ocidentais - já para não falar de filmes, livros, cartoons, tradições e valores - vão inspirar violência regular, não acho que seja demais pedir ao Ocidente para parar de pedir desculpas e unir-se, ocasionalmente, em sua própria defesa.

Os fanáticos que atacam o Papa já limitaram esse direito à liberdade de expressão aos seus próprios seguidores. Não vejo por que deveríamos deixá-los limitar também o nosso direito à liberdade de expressão.

applebaumanne@yahoo.com
Colunista do Washington Post,
autora do livro Gulag: Uma História

1 Comments:

Blogger Zwei said...

Ela chama-se Anne e não Anna. O Público errou.

8:51 AM  

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